Um dos muitos motivos para eu sempre comparar cães domésticos a crianças de dois anos e meio é que ambos, embora bastante independentes para muitas atividades, precisam de orientação de adultos humanos - e ambos adoram explorar o mundo usando todos os sentidos, sempre ouvindo, apalpando, cheirando e degustando tudo que descobrem.
Quase todo pai e mãe têm alguma história do tipo "minha filha achou em casa uma garrafa de Baré-Cola e só depois de beber metade percebeu que era desinfetante".
Do mesmo modo, devemos estar atentos para todo tipo de perigos alimentares a que nossos cães estão sujeitos, desde plantas potencialmente perigosas a guloseimas humanas que nem humanos deveriam comer. E o problema não é só a saúde do cão, mas o incômodo de percebemos que, por exemplo, ele acaba de pulverizar o jornal que ainda nem lemos ou aquele boleto bancário que veio por debaixo da porta. Pois bem, vamos ensinar o peludo a não mastigar o que não deve e, caso acabe acontecendo, socorrê-lo de acordo.
Mais vale prevenir...
Ser vegetariano é bom, mas não significa sair comendo tudo que é vegetal, inclusive sua plantação de tomates com que você pretende alimentar a família, aquelas belas flores que você ganhou do namorado e especialmente qualquer planta que solte seiva branca, que é tóxica para os cães e gatos, podendo lhes causar desde um mal-estar passageiro até a morte. As "vilãs" mais famosas são a azaléia, samambaia, espada-de-são-jorge, hortênsia, copo-de-leite, bico-de-papagaio, mamona, hera (que, não à toa, ganhou até música, "venenosa, ê, ê, ê, ê, ê"), costela-de-adão e comigo-ninguém-pode.
A listinha também inclui jarro-dos-campos, lauréola, saia-branca, abacateiro, amarílis, madressilva, mandrágora, meimendro, flor-das-almas, mezereão, morrião, pinhão-roxo, narciso, oleandro, espirradeira, poinsettia, ranúnculo, arruda, redodendro, coroa-de-cristo, rícino, robinia, salsaparrilha, bastarda, solanáceas (beladona), tremoceiro, olho-de-cabra e tulipa. (Este é um resumo de cerca de dez listas que consultei, brasileiras e estrangeiras, e todas diferentes entre si.) Ah, sim: algas azuladas de piscinas ou aquários também são perigosas.
A primeira coisa a fazer, para evitar ao máximo que o cão precise no futuro ser examinado pelo veterinário, é o dono examinar a casa, para identificar e remover perigos em potencial. Justamente por ser óbvio é sempre bom lembrar: mantenha produtos de limpeza, medicamentos e inseticidas longe do alcance. A segunda coisa é a mesma a ser feita com as crianças humanas (não podia faltar a comparação de novo): enfatizar atividades e atitudes positivas. Brinque e passeie com o cão o mais que puder, inclusive incentivando outros habitantes da casa a fazerem o mesmo, e dê-lhe muitos brinquedos que o peludo possa morder sem prejuízo para a saúde dele (ou seja, que não solte lascas nem tenha chumbo, zinco ou mercúrio) ou o seu bolso.
Se você perceber que o cão está prestes a avançar para cima de uma planta, seja mais esperto que ele distraindo-lhe a atenção para a planta com um brinquedo ou um petisco. Caso ele se mostre ainda mais esperto e já esteja a milímetros da planta, aí tudo se resume a uma palavra: o comando de "não", repetido até o canino perceber que não deve fuçar nas plantas.
Agora, não se esqueça de que toda família que tem pelo menos um cão torna-se, do ponto de vista dele, uma matilha. Se o cão foi muito dominante, ele irá medir forças com você e, mesmo não sendo violento, vai querer exercer a liderança dele ignorando a sua.
Mas cabe a você demonstrar quem é que manda na casa (como mostramos em artigo anterior desta série). Poderá ser necessário borrifar nas plantas rapé, pimenta caiana ou tabasco, cujo efeito para os cães é o de repelente natural, sem o risco dos repelentes químicos - mas não deixe o repelente agir sozinho, reforçando-o com cão o comando de "Não!" sempre que o peludo tentar saborear a planta. E você poderá deixar de usar a pimenta caiana ou outro repelente quando o cão deixar de mexer nas plantas. (Só que estes repelentes não costumam intimidar o Beagle e outras raças com forte instinto caçador.) Se o cão for realmente moleque e dominador e, apesar de todos os esforços em contrário, não parar de mexer na planta, o jeito será colocá-la longe do alcance dele.
E quando a planta vem ao alcance do cão? Quero dizer, quando vocês estão passeando, ele encontra uma planta e vai metendo a boca. Então puxe-o de leve com a coleira, elogiando-o logo que ele largar a planta. Ao que consta, comer um pouco de grama pode até fazer bem para o cão - mas não se ela estiver contaminada com agrotóxicos, veneno para ratos ou baratas ou lixo apodrecido.
E o comando "Não", tantas vezes quanto necessário, é indicado também para o cão (especialmente quando ainda filhote) deixar de mastigar a horta, papéis, velas, sapatos, meias e quaisquer outros objetos indevidos.
Ah, sim: se o cão passar mal devido a preparados químicos, pode não ser culpa dele, e sim por intoxicação devido à permanência em ambientes fechados ou mal ventilados onde se use (para matar cupins ou ácaros, por exemplo) ou armazene tais compostos.
É sempre bom lembrar
Já falamos aqui sobre ossos terem se folclorizado como o grande símbolo da alimentação canina, mas apresentarem perigo para o bicho caso sejam muito pequenos, cozidos ou quebradiços. Falamos também sobre o extremo cuidado necessário ao se dar comida destinada a humanos, cujo equilíbrio de proteínas, gorduras e temperos costuma ser diferente do ideal para o peludo e cuja quantidade não deve ultrapassar dez por cento de sua alimentação total.
Tudo bem o canino comer iogurte, arroz, batatas, cenouras, brócolis ou carne magra, mas dar-lhe doces pode lhe causar cáries e até diabete, tal como nos humanos. Gordura em excesso pode causar pancreatite. Ácido cítrico não costuma ser tolerado pelo aparelho digestivo canino, embora sucos de frutas possam fazer bem. E observe se seu canino tem tolerância à lactose. Acredite se quiser: há cães que aceitam bebidas alcoólicas e há pessoas que as servem aos cães, nem pensando no risco de coma e até de morte.
E há alimentos saudáveis ou prazerosos para os humanos, porém terminantemente proibidos para os caninos, como chocolate (o cacau contém teobromina, o inimigo número um do sistema digestivo canino!), alho & cebola (podem causar anemia), uvas (podem sufocá-los pelo tamanho, além de atacar os rins) e abacate.
(Em um de meus artigos comentei "Ainda bem que existe chocolate especial para cães", e me disseram "Para quê?" Já que sou o rei de responder a perguntas retóricas, acho que a resposta está na necessidade que muitos humanos têm de, mais que tratar suas "crias" peludas como membros da família, humanizá-las e quase esquecer de que continuam sendo cães ou gatos, e se igualarem em carência e superproteção àquelas supermães que gritam "Vai vestir casaco, menino, que eu estou com frio!".)
Em caso de emergência
Normalmente, se o cão morder alguma planta venenosa ou ingerir algum produto químico ou alimento indevido em pequena quantidade, ele terá apenas ataques de vômitos ou diarreia e logo ficará bem. (Mila, minha "neta" canina, praticamente se especializou em devorar balões de festas que meu filho às vezes esquecia pelo chão, mas ela esfarelava tanto os balões que o único resultado visível era o clima festeiro das fezes multicoloridas.)
Mas se a intoxicação tiver sido forte a ponto de o cão perder as forças ou os sentidos ou estiver com dificuldade para respirar, a primeira providência é correr para o veterinário. De qualquer forma, se o cão começar a passar mal e houver alguma dúvida quanto à causa, ou mesmo em caso de suspeita de ele ter comido o que pode lhe fazer mal, comece telefonando para o veterinário.
Fazer o cão vomitar só é bom no máximo duas horas após o bicho ter ingerido a toxina; após esse prazo ela já alcançou o intestino delgado e não poderá ser posta pela boca.
Se o bicho tiver bebido gasolina, querosene, removedor de manchas ou outro derivado de petróleo, fazê-lo vomitar pode fazer com que o esôfago e a cavidade bucal fiquem novamente irritados no caminho de volta.
Em outras circunstâncias, e se o veterinário recomendar, aí, sim, é bom chamar o amigo Hugo, fazendo o cão beber um pouco de água oxigenada pura (a 10 volumes) ou um soro de água bem salgada (três colheres de sopa de sal por copo).
Se o bicho tiver queimaduras na boca ou garganta resultantes da ingestão de produtos de limpeza, lave as partes queimadas com água e dê ao cão soro para induzir mais aos vômitos. Em caso de feridas na pele, lavar bem com sabão ou detergente suaves e muita água fresca, sem esfregar, suaaaaaaaaavemente.
Em seguida, corra para o veterinário. O tratamento imediato pode incluir lavagem intestinal. Daí é observar: sintomas e efeitos de intoxicação e envenenamento costumam aparecer em até uma semana, conforme o porte do cão e o tipo & quantidade de tóxico ingerido.
E caso o cão tenha resolvido engolir um alfinete ou outro objeto pontudo, dê-lhe pão em pedaços pequenos, para formar um bolo alimentar que servirá de "almofada" para ajudar a agulha a sair sem causar estragos. Mas não se esqueça de, logo em seguida, correr para o veterinário.